Número do anúncio | 2020584 |
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Data do anúncio | 12 Maio 2020 |
Status | Zero |
O Sheikh Muslihuddin Saadi Shirazi nasceu em Shiraz, no ano 571 da H�gira (1175/6 d. C.). Era filho de um modesto dignit�rio da corte de Muzuffar al Din Takla bin Zangi, terceiro Atabeg dos Salg�ridas de Fars, que se haviam fixado em Khurassan e, sob o reinado de Abu Bakr bin Saad bin Zangi, patrono de Saadi, tornaram-se tribut�rios do shah de Khwarezm. O jovem Muslihuddin teria tomado seu nome liter�rio do pr�ncipe, embora alguns o julguem derivado do �rabe saad, que significa �prop�cio�.
Alguns contos do Gulistan confirmam a tradi��o segundo a qual Saadi teria sido, desde a juventude, muito atra�do pelos prazeres mundanos, ao mesmo tempo em que era profundamente religioso. O Bustan, sua outra grande obra, relata as primeiras etapas de sua educa��o em Bagd�, no col�gio Nizamiya, fundado por Nizam ul Mulk. Em Bagd�, bem cedo se encontrou sob a influ�ncia dos grandes sufis Abd al Faraj bin Jauzi e o Sheikh Shahbuddin Suhrawardi, iniciando-se em seguida na escola sufi Naqshbandi. Manteve, al�m disso, numerosos contatos com o maior sufi da �poca, o Qutb � ou Pilar do Sufismo � Najmuddin Kubra Naqshbandi, morto durante a destrui��o de Bokhara por Gengis Khan em 1221 d.C.
Em conformidade com um preceito do sufismo, Saadi viajou muito, e a import�ncia dessas viagens � vis�vel na leitura do Gulistan. Visitou pa�ses t�o distantes quanto a China, a �ndia, a Abiss�nia, o Marrocos e a Turquia, o que n�o era uma empresa f�cil numa �poca em que as viagens eram dispendiosas, perigosas e exaustivas.
Mesmo antes de iniciar a reda��o do Gulistan, no ano 656 da H�gira, j� era um poeta famoso. Paralelamente, crescia sua reputa��o de sufi, ainda que seus ensinamentos p�blicos tratassem, sobretudo, de certos aspectos da moral e da educa��o, atraindo rapidamente a aten��o de um p�blico n�o sufi que podia assimilar facilmente suas m�ximas e contos morais. Muito tempo antes de sua morte, o Gulistan e o Bustan se haviam tornado verdadeiros manuais de poesia, comportamento e moral. Pessoas de todas as origens sociais, qualquer que fosse seu n�vel intelectual e cultural, podiam tirar proveito de seus escritos e compreend�-los.
Embora todas as chances de acumular bens se lhe tenham oferecido, Saadi nunca foi um homem rico. Em Fahandar, construiu uma casa para acolher estudantes e peregrinos, gra�as ao donativo de um ministro de Mughal, Imperador da P�rsia. Apesar de incontestavelmente piedoso, nada tinha de fan�tico. Era um homem bondoso que compreendia profundamente a humanidade e suas fraquezas.
Sua atra��o pelo sufismo foi o resultado natural de uma educa��o marcada pela devo��o, pela filosofia e pelos la�os �ntimos com os mais influentes sheikhs sufis. Para algu�m que desejasse atingir percep��es mais profundas, para um buscador da Verdade, o sufismo era, manifestamente, o caminho mais natural. Para o devoto, esta busca � fundada em princ�pios bem definidos que, uma vez aplicados, permitem penetrar o v�u das percep��es sensoriais que se erguem entre o homem e Deus.
O estado de conhecimento, objetivo do sufismo, � alcan�ado seguindo-se rigorosamente o caminho sob a dire��o de um sheikh. Enquanto o sufi segue este caminho de recita��o e devo��o absoluta a Deus, abstin�ncia e rejei��o dos bens deste mundo, vive experi�ncias m�sticas que descreve a seu sheikh, capaz de avaliar seu grau de evolu��o espiritual e guiar seu desenvolvimento posterior.
O sufi, para realizar tais experi�ncias, n�o precisa tornar-se um eremita. Na verdade, o devoto deve seguir o preceito maior do sufismo de �estar no mundo sem ser do mundo�, submetendo-se continuamente a um exame de si e de seus atos. Ibn Khaldun, em seu Muqaddimah, refere-se a isso nestes termos: �O novi�o deve observar-se em todas as suas a��es e examinar seu significado profundo, pois os resultados originam-se obrigatoriamente nos atos, e as insufici�ncias nos resultados prov�m, em conseq��ncia, de erros nas a��es� (Ibn Khaldun, Muqaddimah, tradu��o de Rosenthal, 1958).
Desde as origens do Islam, os sufis foram alvo, em certos per�odos, de suspeitas e animosidade por parte dos n�o-sufis, sofrendo todo tipo de acusa��o, desde incorrer em id�ias do neoplatonismo, � pura heresia. No entanto, t�o grande � a for�a de suas id�ias e t�o profundas suas ra�zes que sempre conseguiram ressurgir, ainda com mais vigor.
Muito se escreveu a respeito da etimologia da palavra �sufi�. Uma tese muito comum refere-se � palavra �suf�, que quer dizer l�, pois os sufis usavam um manto de l�. Esta afirma��o �, por�m, inaceit�vel, pois os sufis n�o eram os �nicos a usar um manto de l�. Al�m do mais, teriam sido nomeados Mossawiffin, e n�o Mutassawifin � palavra que corresponde � sua designa��o exata. Os sufis preferem a tese de que seu nome prov�m da palavra saff, isto � �fila� ou �posi��o�. Em uma mesquita, os fi�is disp�em-se em fileiras diante do mihrab, ou recinto da prece. Os sufis dizem que atingiram o primeiro �saff� entre os fi�is diante do Trono de Deus, em virtude de se terem purificado do cont�gio do mundo (cf. Hujwiri, Kashf ul Mahjub).
A alegoria contida no Gulistan destina-se somente aos sufis, pois eles n�o podem confiar seus segredos �queles que n�o est�o preparados para receb�-los ou interpret�-los corretamente. Para transmitir tais segredos aos iniciados, os sufis elaboraram uma terminologia. Quando uma palavra n�o permite a transmiss�o dessas id�ias, utilizam f�rmulas especiais ou alegorias.
Atingindo a uni�o m�stica, o sufi penetra um outro universo, projetando a alma (nafs) para al�m da zona de polui��o da mundanidade. O esp�rito e os poderes ps�quicos alcan�am, ent�o, um est�gio de desenvolvimento onde podem compreender efetivamente o que � a Verdade e perceber as realidades da exist�ncia.
A massa complexa da literatura persa medieval cont�m um n�mero consider�vel de obras sufis que influenciaram profundamente a cultura e a teologia do Oriente M�dio. Autores como Saadi, Jami e Rumi foram fonte de inspira��o para pensadores europeus como Domi, cuja obra Gesta Romanorum � que, por sua vez, serviu de base � obra de Thomas North, A filosofia moral de Domi � inspirava-se em Anwar i Suhail. O Gulistan, de Saadi, bem como outras obras persas, renovou e estimulou a literatura alem� do s�culo XVI; o conto de Grimmelhausen, Joseph, por exemplo, � claramente inspirado no conto persa "Yussuf e Zulaika".
A influ�ncia persa na literatura europ�ia fez-se sentir muito depois da introdu��o do pensamento sufi, contempor�nea das invas�es �rabes na Europa, e que, algumas vezes, as precedeu. � reconhecido que o Squires Tale de Chaucer e os Ditos e Ad�gios dos Fil�sofos � o primeiro livro impresso na Inglaterra � t�m suas fontes no pensamento �rabe sufi. Alguns poetas ocidentais chegaram mesmo a copiar a metrifica��o persa � por exemplo Platen. Tamb�m Goethe foi profundamente influenciado pelos escritos de Hafiz. E o professor Asin Palacios observa que o car�ter t�o particular da descri��o que Dante faz do Inferno, do Para�so e da Vis�o beat�fica � a tal ponto pr�xima �quela de Ibn Arabi, que dificilmente se poderia tratar de coincid�ncia fortuita. Von Gruenbaum, em sua descri��o da civiliza��o mu�ulmana, afirma que Averr�is (Abu al-Walid ibn Ruchd) teria inspirado o Robinson Cruso� a Defoe. Todavia, as pesquisas relativas � influ�ncia do pensamento sufi na m�stica, na literatura e na filosofia do Ocidente n�o constituem o tema deste livro.
O Gulistan, ou O Jardim das Rosas, de Saadi, � uma colet�nea em verso e prosa, impregnada dos elementos mais profundos da filosofia sufi. Saadi pertencia � confraria sufi Naqshbandi. Atingiu um n�vel elevado nessa Ordem e, sobretudo, foi reverenciado como mestre e pregador da filosofia m�stica da Rosa. Como � o caso de muitos escritos desta natureza, � poss�vel ler o livro de Saadi como simples entretenimento ou, ao contr�rio, aprofundando-se no sentido aleg�rico de cada d�stico, de cada palavra, uma vez que Saadi, mestre sufi, n�o as escolhia ao acaso e tampouco adequava seus versos a esquemas arbitr�rios. Para o pensamento sufi, tudo o que existe, animado ou n�o, possui uma ess�ncia, um car�ter pr�prio, ao mesmo tempo aparente e oculto, mas cuja descoberta e interpreta��o s�o proporcionais ao grau do despertar espiritual do leitor. Isto posto, ser� poss�vel compreender o quanto � vital, numa tradu��o, recuperar o esp�rito da obra de modo a conservar a ess�ncia e mant�-la aberta �s duas interpreta��es.
Compreender Saadi � compreender o sufismo � embora esta afirma��o seja exageradamente simplificada, dado que, apesar de o Gulistan ser lido em todo lugar em que se fala persa, milhares de leitores n�o chegam a apreender o sentido profundo da obra, a menos que seu est�gio particular de desenvolvimento o permita. Cada leitura do texto aumenta nossa compreens�o dos preceitos fundamentais do Amor Sufi, que desempenhou papel fundamental em todos os dom�nios da civiliza��o oriental.
No passado, tradutores e estudiosos criticaram o car�ter aparentemente sensual da poesia e da prosa sufis. S� alguns souberam interpretar corretamente o significado do Amor que se depreende do pensamento sufi, isto �, o amor tal como o sente o indiv�duo que se dedica a cultivar este Conhecimento que o conduzir� � Uni�o (wasl) com o Bem-Amado (Deus). R. A. Vaughan, em seu Horas com os m�sticos, sintetiza bem essa id�ia: �Jamais uma linguagem religiosa foi mais florida, mais voluptuosa: onde o vinho representa a devo��o, a taberna um orat�rio, os beijos e abra�os os �xtases da piedade, a devassid�o e a embriaguez o ardor religioso e a liberta��o ante os pensamentos mundanos�. Uma vez que o pr�prio treinamento dos sufis suscita profunda repugn�ncia e recusa ao que � mundano e carnal, n�o � poss�vel confundir suas alegorias com outra coisa al�m das efus�es de almas que aspiram a Deus.
� verdade que, algumas vezes, os sufis foram acusados de irreligiosos ou mesmo her�ticos porque negligenciam a pr�tica de v�rias observ�ncias exteriores do Islam, e porque suas manifesta��es podem parecer her�ticas quando est�o em estado de exalta��o m�stica. Por outro lado, ningu�m no seio do Islam � mais rigoroso no que se refere �s a��es e alimentos proibidos indicados no Cor�o ou nos Hadith. Assim diz o sheikh sufi Burhanuddin Papazi: �Pode ser que n�o me vejam na mesquita cumprindo minhas devo��es. No entanto, meu cora��o reza permanentemente na grande mesquita de Meca�. N�o almejar mais alto, submeter-se � servid�o do vinho e da carne, impediria a Uni�o com o Criador, que � a meta do sufi. A prop�sito do Awarif al Maarif, de Suhrawardi, o coronel H.W. Clarke escreveu: �Os sheikhs e poetas sufis d�o prova do amor mais profundo, ainda que plat�nico, por indiv�duos do mesmo sexo, not�veis por sua beleza ou por seus talentos; afirmam que � o Criador que adoram quando apreciam Sua admir�vel obra (corporal ou intelectual) e vangloriam-se de que seu amor, ao contr�rio daquele que se sente por indiv�duos do sexo oposto, n�o est� submetido � sensualidade da carne e �, portanto, mais puro�.
Esta tradu��o baseia-se numa vers�o manuscrita do Gulistan, datada de Tabriz 1380 d.C., por Mirza Muhammed Qasim Sarmouni, pertencente � cole��o privada de Sua Emin�ncia o Sheikh ul Mashaikh, a quem o tradutor oferece toda sua gratid�o.
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